O traço de afeto negativo modula a percepção da ameaça: um estuo de fMRI

Abstract

A violência urbana é um fenômeno crescente no mundo e está associada ao desenvolvimento de patologias mentais, tais como o transtorno do estresse pós-traumático (TEPT). O processamento privilegiado de pistas de perigo permite uma rápida detecção e inicialização de respostas defensivas essenciais para a sobrevivência. As reações defensivas adaptativas são evocadas de acordo com a percepção do contexto da ameaça e podem ser influenciadas por diferenças individuais. O objetivo desse estudo foi investigar se a reatividade cerebral relacionada aos estímulos ameaçadores é modulada por características individuais em voluntários sadios. Os estímulos ameaçadores utilizados foram cenas de violência urbana com intensidades de perigo moduladas pelo direcionamento dos objetos ameaçadores (armas de fogo). Quarenta e um voluntários (21 homens) observaram imagens de ameaça direcionada (arma apontada para o voluntário), não-direcionada (arma apontada para terceiros) e neutras enquanto sua reatividade cerebral foi investigada através de ressonância magnética funcional. Cada imagem foi apresentada durante 5s e um círculo central sobreposto a imagem aparecia entre 3,7 a 4,2s após o ascender do estímulo. Os voluntários deveriam detectar o círculo pressionando rapidamente um botão. As análises foram feitas usando o AFNI, com as condições experimentais ameaçadoras e neutras usadas como regressores na análise de General Linear Model (GLM). Realizamos uma ANOVA para análise de segundo nível com fatores de valência (ameaça e neutro) e direção (direcionada e não-direcionada) e os clusters com efeito principal de valência com p<0,01 (FDR corrigido) foram selecionados como regiões de interesse (ROIs). A interação entre valência e direção foi investigada em cada ROI. Para as áreas cerebrais que encontramos interação significativa entre os fatores valência e direção, extraímos os parâmetros estimados e correlacionamos com a pontuação obtida nas escalas psicométricas. As escalas utilizadas avaliavam o traço de personalidade (afeto positivo e negativo), o traço de ansiedade, a sintomatologia do TEPT e a ocorrência de reações de imobilidade tônica. Somente o traço de afeto negativo (NA) obtido através da escala PANAS (Positive and Negative Affect Schedule) apresentou correlações significativas com algumas das áreas de interesse e somente no contexto de ameaça direcionada. As correlações de Spearman mostraram associações positivas entre o NA e a EBA (Área Extraestriada sensível a Corpos) esquerda (rho= 0,35) e o sulco intraparietal (IPS) direito (rho= 0,36) no contexto de ameaça direcionada (p<0,05 para todas as correlações). Os resultados indicam que os voluntários que apresentaram maiores pontuações de afeto negativo ativaram mais a EBA esquerda e o IPS direito dentro do contexto de ameaça direcionada. Possivelmente, indivíduos com alto afeto negativo, por terem uma perspectiva mais negativa sobre a vida diária, avaliaram os estímulos no contexto de ameaça direcionada como mais ameaçadores. Estes dados sugerem uma percepção emocional diferenciada e a ativação de um plano motor para facilitar ações mais ostensivas em indivíduos com alto afeto negativo.